sexta-feira, 13 de junho de 2008

Cérebro cego



Alguns dos fatores presentes num engavetamento até fazem sentido. Caminhões pesados, por exemplo, têm uma eficiência de frenagem menor do que os automóveis leves, e é natural que tenham mais dificuldade de parar a tempo de evitar uma colisão.
Porém, uma estranha circunstância sempre intrigou o perito Rodrigo Kleinübing: a combinação de nevoeiro com alta velocidade.
Como a neblina reduz sensivelmente a visibilidade da estrada, seria de esperar, pondera Kleinübing, uma redução da velocidade num momento de risco. Na prática, costuma acontecer o contrário: os motoristas, principalmente de veículos pesados, tendem a acelerar ainda mais sob cerração.
- Até pouco tempo atrás, acreditava-se que isso se devia unicamente ao comportamento irresponsável dos condutores - diz Kleinübing.
Mas um estudo de cientistas da Universidade de Wales (País de Gales) revelou um resultado surpreendente, que mudou a abordagem sobre esse tipo de situação. Segundo os pesquisadores, a neblina afeta uma área do cérebro responsável justamente pela percepção da velocidade e de contrastes.
- A neblina é interpretada pelo cérebro como uma mudança de velocidade - diz Kleinübing.
Assim, ao entrar numa região coberta por um nevoeiro, mesmo que o motorista conscientemente saiba que precisa reduzir a velocidade, o cérebro, devido a inexistência de um plano de contraste, como árvores, prédios ou outros elementos, o induz a achar que ele está indo mais devagar. Instintivamente, o motorista acelera em vez de diminuir a marcha.
Numa experiência feita com um simulador com joystick, e sem ver a velocidade em que iam, voluntários eram orientados a dirigir através de uma paisagem virtual sem neblina. À medida que o cenário ficava encoberto por um nevoeiro, a velocidade visual aparentemente se reduzia. Para compensar, os voluntários passavam a dirigir cada vez mais rápido à medida que o cenário se tornava mais nebuloso. Solicitados a irem a 112 km/h, eles aceleravam a aproximadamente 150 km/h em neblina e a 140 km/h, com o cenário enevoado.
No teste, os voluntários não podiam verificar o velocímetro, ao contrário do que ocorre com os motoristas numa estrada real. Porém, lembra Kleinübing, é justamente numa situação de nevoeiro que o motorista precisa ficar mais atento ao que ocorre a sua frente - portanto, quando menos pode prestar atenção ao velocímetro.
- É exatamente em condições de visibilidade reduzida causada por neblina que os condutores mais dependem de sua própria percepção visual para o julgamento da velocidade em que trafegam - afirma o perito.
A solução é tornar as estradas sujeitas à neblina mais seguras, assim como acontece com os aeroportos, que recebem equipamentos para permitir pousos e decolagens em condições de nevoeiro (ou são fechados, em nome da segurança).
É o que está sendo feito na Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo, onde a Ecovias, concessionária da estrada, está instalando, nos trechos sujeitos à neblina, um sistema de iluminação importado de Israel. O dispositivo é composto por centenas de pequenos sensores encravados no asfalto. Conforme a neblina baixa, os sensores se acendem, formando uma trilha brilhante sobre o pavimento. Cada sensor tem um acumulador de energia solar, carregado durante o dia para ficar acesso quando não há luz.
Segundo a Ecovias, já foram instalados cerca de 500 para testes. No entanto, surgiu um problema que, no Brasil, não se pode dizer que é inesperado: os sensores estão sendo arrancados por vândalos.
Pé na tábua
Pesquisadores da Universidade de Wales (País de Gales) constataram que, mesmo conscientes de que deveriam trafegar em menor velocidade em situação de neblina, devido à redução da visibilidade, os motoristas aceleram nestas situações. Isso porque sua percepção visual era de que estavam trafegando a uma velocidade menor do que a real.
Em testes feitos com voluntários, os cientistas constataram que a neblina afeta uma região do cérebro responsável pela percepção da velocidade e dos contrastes.
Em experimentos realizados em um ambiente virtual com um simulador de direção, voluntários (usando um joystick e sem ter acesso a um velocímetro) convidados a dirigirem a uma certa velocidade, iam cada vez mais rápido à medida que o cenário pelo qual se moviam ficava mais nebuloso.
O fator neblina
Nesta época do ano, os motoristas enfrentam um perigo extra nas já habitualmente ameaçadoras estradas brasileiras. No inverno, a associação de frio e tempo úmido favorece à formação de nevoeiros. Embora não haja estatísticas confiáveis, é consenso entre especialistas que a neblina, ao reduzir consideravelmente a visibilidade, é um fator desencadeante de inúmeros acidentes - e, especialmente, do pior de todos os tipos de desastre de trânsito: o engavetamento.Quase sempre, um engavetamento é tragicamente letal. Planejados para resistir a, no máximo, uma batida, os veículos são reduzidos a pilhas de ferros retorcidos pelas múltiplas, sucessivas e violentas colisões de caminhões, ônibus e automóveis. Dispositivos de proteção, como cinto de segurança e airbag, perdem a eficácia. Não raro, automóveis são literalmente esmagados por grandes caminhões ou explodem em chamas, carbonizando seus ocupantes.
Em meio a um cenário de destruição, os mortos e feridos costumam ser contados às dezenas. As equipes de resgate encontram grande dificuldade para socorrer as vítimas, que ficam horas presas às ferragens. A remoção dos destroços pode levar um dia inteiro, tempo em que a estrada permanece interditada e o tráfego, paralisado.
Além da neblina e do grande número de vítimas, os engavetamentos têm outras características em comum.
- Geralmente, eles ocorrem em estradas duplicadas, como vias expressas, sempre há veículos pesados como ônibus e caminhões envolvidos e as batidas se dão em alta velocidade - diz o engenheiro Rodrigo Kleinübing, do Departamento de Criminalística, do Instituto-Geral de Perícias do Estado.
Perito na apuração das causas de desastres rodoviários, Kleinübing decidiu compilar uma série de dados sobre a relação da neblina com os engavetamentos e definiu o padrão sobre a ocorrência desses acidentes.

ZERO HORA
09 de junho de 2008
Matéria: Cérebro cego
Editoria: Globo Tech
Página: Central
Cérebro cego

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